GUARDA MUNICIPAL COMO ÓRGÃO GARANTIDOR DA ORDEM PÚBLICA?
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo
precípuo analisar a participação e a legitimidade de atuação da Guarda
Municipal como ente do sistema de segurança pública na esfera municipal.
A constituição de 1988 incumbe às Guardas Municipais a proteção de
bens, serviços e instalações, mas na prática não se limitam somente ao
instituído no artigo 144, § 8º, da Constituição Federal, que, por si só,
já são bastante amplos, conforme a interpretação dada ao texto legal.
Sua atuação é muito mais diversa, sejam ostensivamente nas ruas, no
trânsito, na proteção do meio ambiente, no reordenamento dos espaços
públicos e na proteção as garantias dos direitos fundamentais aos
cidadãos. Os Guardas Municipais, dotados de poder de polícia,
uniformizados, com a possibilidade de estarem armados, são agentes
importantes na esfera da segurança pública, dentro da sua
municipalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Guarda municipal. Segurança pública. Poder de polícia. Porte de arma de fogo. Ordem pública.
1. APRESENTAÇÃO
As Guardas Municipais surgiram no Brasil no período feudal, onde
serviam para a proteção das propriedades, e mantiveram a função de zelar
pela segurança das cidades até que, com o golpe militar e as novas
ameaças fascistas, a segurança pública foi militarizada, e sua
responsabilidade transferida aos Estados membros, pois se via a ameaça
de um inimigo externo ao Brasil, fato esse que nunca ocorreu em quase
cinco décadas.
A violência interna caracterizada pela
fragilização de alicerces como a família, a igreja e o Estado e os
agravantes do capitalismo e do desemprego estrutural trouxeram uma nova
realidade para as comunidades, onde o país não enfrenta mais o risco de
uma ameaça externa e que a marginalidade se tornou assunto de grande
relevância pelas cidades. Por isso os municípios através, seja das
Guardas Municipais, seja das Policias Militares pelas operações
delegadas, buscam contribuir cada vez mais com a sensação de bem estar
social e com a manutenção da ordem pública em seus territórios.
Por isso, em virtude da insuficiência dos Estados membros e da União
em cuidar sozinhos da Segurança Pública, se faz necessária à
participação dos municípios através das Guardas Municipais dispostas no
artigo 144, § 8º, da Constituição Federal.
A discussão a
respeito das atribuições da Guarda Municipal vem acontecendo diante das
esferas judiciais devido a sua criação ser facultativa na Carta Magna,
além da já mencionada proteção aos bens, serviços e instalações
públicas. Todavia, a Constituição Republicana confere aos municípios a
faculdade de legislar sobre assuntos de interesse local e, na prática, a
atuação dessas instituições já ocorre na segurança pública pela
proximidade entre seus agentes e os cidadãos.
1.1. Da Guarda Municipal como instituição garantidora da ordem pública
Todos os órgãos que têm a incumbência de contribuir de alguma maneira
com a Segurança pública, com previsão expressa no artigo 144 da
Constituição são responsáveis pela manutenção da Ordem Pública. É
inconteste, portanto que a Guarda Municipal deve participar desse
mister. No entanto, é necessário fazer um resgate sobre o conceito de
ordem pública.
A ordem pública pode ser entendida ainda, como
sendo o estado de paz social que experimenta a população, decorrente do
grau de garantia individual ou coletiva proporcionada pelo Poder
Público que envolve, além das garantias de segurança, tranquilidade e
salubridade, as noções de ordem moral, estética, política e econômica,
independentemente de manifestações visíveis de desordem. (Bol. Res.
PM/RJ n n. 68,15/04,82).
Já para Rodrigues (art.2003), as
“forças policiais tem como missão a preservação da ordem pública,
assegurando aos cidadãos o exercício dos direitos e garantias
fundamentais”, senão vejamos um pouco mais o conteúdo desta obra.
A
atividade policial está voltada para a preservação da ordem pública, e
se caracteriza pelo combate ao crime. Quando o Estado não consegue
impedir a prática do ilícito, deve reprimi-lo, colhendo os elementos
necessários para a propositura da ação penal. A ação dos agentes
policiais deve estar voltada para a defesa dos direitos do cidadão, mas
isso não impede o uso legítimo da força que deve se afastar da
arbitrariedade e do abuso.
A Guarda Municipal por estar
inserida no capitulo que fala sobre a segurança pública, também teria o
papel de garantidora da Ordem pública segundo a opinião de Ventris
(2010, p. 85),
Não é por acaso que a Guarda Municipal
está inserida no Titulo V da Constituição Federal, no qual é tratado da
Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Eis a missão! Falhando
os órgãos que devem zelar pela Soberania do Estado, o próprio Estado é
colocado em xeque!
[...]
A missão fundamental das Guardas Municipais é garantir ao cidadão o acesso ao serviço público municipal com segurança, e
possibilitar o exercício dos direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituição Federal e nos termos do art. 5, § 2º da CF nos
tratados internacionais subscritos pelo Brasil. (Grifo nosso.)
Dada a multiplicação dessas instituições por todo país, e a sua
efetiva participação na manutenção da ordem pública, junto com os demais
agentes de segurança pública das três esferas estatais e com a
participação de todos, é de grande importância, a regulamentação
definitiva destes órgãos por parte do Poder Público federal para a
padronização das Guardas Municipais em todo Brasil.
1.2. Da definição e aspectos históricos da guarda municipal
Segundo Ventris (2010, p. 91), podemos definir a Guarda Municipal
como uma “Instituição Pública Municipal, uniformizada, hierarquizada,
desmilitarizada, armada ou não, de criação constitucionalmente
facultativa, por iniciativa exclusiva do Executivo Municipal”.
Salientamos que esta instituição deve ser criada mediante lei, para
atuar na prestação de serviços públicos no âmbito da segurança pública
municipal e no contexto da preservação da ordem pública.
Com
relação à instituição quando o referido autor aponta que conforme
permissivo constitucional de instituição da criação é “facultativa por
iniciativa exclusiva do Executivo Municipal”, ou seja, o município tem a
faculdade/possibilidade de criar a sua Guarda Municipal, conforme as
necessidades locais ou clamor popular. Só o município pode decidir se
cria ou não Guarda Municipal, e após a criação o município pode ate
desconstitui-la caso ache necessário.
Ainda segundo Ventris
apud Jeová Santos e Zair Sturaro, (2010, p. 92), a Guarda Municipal seguiria os seguintes procedimentos:
Uma
vez criada, a Guarda Municipal atua subordinada, funcionalmente e
juridicamente ao Poder Executivo Municipal como órgão da Administração
Pública inserida no contexto da preservação da ordem pública e da segurança pública municipal. (Grifo nosso.)
Com relação aos aspectos históricos da Guarda Municipal, faz-se
necessário relembrar que, até o período militar, as Guardas Municipais
eram responsáveis pela segurança das cidades conforme trecho da obra de
Frederico (2011. p. 11),
Em 1936, com o estabelecimento do que se chamou o “Estado Novo”, a
feição totalitária dos estados nazi-fascistas, não havia mais o que se
falar em autonomia dos Estados e Municípios, e, portanto, em forcas
dissuasórias do poder central. Se a Guarda Municipal e a Guarda Civil
eram ainda uteis como instrumento de contenção popular, elas iam
perdendo a posição antes desfrutada para as Forcas Armadas, em especial
para o Exercito; [...] Através do Decreto-Lei 667 e suas modificações,
garantiu-se as Policias Militares, a Missão Constitucional de Manutenção
da Ordem Publica, dando-lhes exclusividade do planejamento e execução
do policiamento ostensivo, com substancial reformulação do conceito de “autoridade policial”,
assistindo-se, também, a extinção de “polícias” fardadas, tais como:
Guarda Civil, Corpo de Fiscais do DET, Guardas Rodoviários do DER e
Guardas Noturnos. A partir de 1968, a Policia Militar passou a executar, com exclusividade, as atribuições de policiamento ostensivo. (Grifo nosso.)
Essa maneira de segurança descentralizada, na qual os municípios têm
autonomia na segurança pública era a regra até então, quando, após o
regime militar, foi substituída pelo modelo centralizado militarizado de
segurança pública.
Mas o fato é que, na prática, as
necessidades da sociedade e o próprio crescimento das Guardas
Municipais, além do apoio governamental, reverteram essa tendência
pós-segunda guerra e hoje, o modelo adotado no pós-guerra se mostra
ultrapassado, pois a sociedade exige, em decorrência das necessidades,
uma maior participação dos municípios e por seguinte na Guarda Municipal
na Segurança Pública.
2. DA FUNCIONALIDADE E DO PODER DE POLICIA INCIDENTE
As Guardas Municipais ocupam as mais diversas funções, que vão do
patrulhamento de vias, vigilância patrimonial, assistência a ações da
defesa civil até o auxílio ao serviço funerário em algumas regiões do
Brasil. Mas para que tais ações ocorram de maneira legitima os agentes
públicos são investidos pelo poder de polícia através do serviço público
para que os particulares cumpram as determinações oriundas do Poder
Público objetivando o interesse público.
O questionamento é
que, por vezes, esse poder de polícia empregado pelos Guardas na
realização dos seus serviços é questionado por particulares ou por
integrantes de outras forças de segurança, por ignorância,
desconhecimento, ou até mesmo rivalidade entre instituições. Entretanto,
o Estado exterioriza a sua soberania através do poder de polícia com os
atributos da auto-executoriedade e força coercitiva para dentro da
legalidade, e essa soberania estatal é una, indivisível e indelegável.
Por isso vejamos o que Osmar Ventris (2011, p. 63) diz sobre o instituto
do poder de polícia:
Trata-se de Poder Uno, é um
instrumento da Soberania do Estado. Por ser uno, é indivisível. Não
existem dois poderes de polícia dentro do mesmo, Estado. Ou se tem, ou
não se tem poder de policia. Recentemente, um Senador da República
argumentou que estaria, mediante PEC de sua autoria, “dando um pouquinho
de poder de policia para as Guardas Municipais”, Equívoco! Primeiro
porque a Guarda Municipal tem poder de polícia, pois atua em nome do
Estado-Poder Público, segundo porque poder de polícia não dá pra
fracionar, diminuir ou aumentar: ou tem ou não tem.
A
citação supra, traz o quanto nossos parlamentares desconhecem assuntos
de interesse geral, e que o poder de polícia é um só e deve ser
respeitado, pois emana de todos os entes federativos. União, Estados,
municípios e Distrito Federal.
2.1. Guardas Municipais e a prisão em flagrante
Um ponto muito questionado e polêmico na atuação dos Guardas
Municipais, para alguns integrantes das Policias Militares, Civis,
políticos e até mesmo integrantes do Poder Judiciário por entender se
tratar de usurpação da função pública a realização de prisões por parte
da Guarda Municipal. Para um melhor entendimento, vejamos, no Código
Penal a definição do crime de usurpação da função pública: “Usurpar o
exercício da função pública: Pena–detenção de três meses a dois anos, e
multa Parágrafo único. Se do ato o agente aufere vantagem: reclusão, de
dois a cinco anos, e multa”.
A jurisprudência pátria, em
especial o STJ quando acionado, em diversos julgados referentes à
suposta ilegalidade da prisão em flagrante feita por Guardas Municipais,
vem negando os
habeas corpus, entendendo ser legitima a atuação dessa instituição nessas situações, senão vejamos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA
MUNICIPAL. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA. ART. 301 DO CPP. ORDEM
DENEGADA. 1. A prisão em flagrante efetuada pela Guarda
Municipal, ainda que não esteja inserida no rol das suas atribuições
constitucionais (art. 144, § 8º, da CF), constitui ato legal, em
proteção à segurança social. 2. Se a qualquer do povo é permitido
prender quem quer que esteja em flagrante delito, não há falar em
proibição ao guarda municipal de proceder à prisão. (Grifo
nosso.) 3. Eventual irregularidade praticada na fase pré-processual não
tem o condão de inquinar de nulidade a ação penal, se observadas às
garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório,
restando, portanto, legítima a sentença condenatória. 4. Ordem denegada.
Decisão Vistos, relatados e
discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia
Filho, Jorge Mussi e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Félix Fischer.
O destaque da jurisprudência citada acima é o entendimento que a prisão
em flagrante efetuada por guardas se configura como ato legal em
proteção a segurança social, desmistificando o caráter apenas
patrimonial da Guarda Municipal,
in verbis:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE EFETUADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. PROVAS ILÍCITAS. INOCORRÊNCIA. 1.
Não há falar em ilegalidade da prisão em flagrante e, consequentemente,
em prova ilícita, porque efetuada por guardas municipais, que estavam
de ronda e foram informados da ocorrência da prática de tráfico de
drogas na ocasião, se pode fazê-lo qualquer do povo (artigo 301 do
Código de Processo Penal). (Grifo nosso.) 2. Recurso improvido. Decisão Vistos,
relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Maria Thereza de
Assis Moura e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,
justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Presidiu o julgamento o
Sr. Ministro Nílson Naves. Referência Legislativa LEG:FED DEL:003689
ANO:1941 CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00301 Jurisprudência/STJ – Acórdãos
Em ambos os casos, o crime de tráfico de drogas, que é crime
permanente, do qual não cessa a flagrância, justifica a prisão feita por
guardas municipais, mais é necessário salientar, que aparentemente, os
réus presos e a conduta dos guardas não tinham nenhuma relação com a
proteção do patrimônio público.
A legitimação da atuação das
Guardas por parte do Egrégio Tribunal não finda por aí, em virtude de
mais julgados que merecem especial destaque. Em mais um desses julgados a
turma nega provimento a Recurso Especial em
hábeas corpusque
alegava a ilegalidade da prisão efetuada por guardas municipais e
policial militar sem mandado, mais que tinham conhecimento da decretação
de prisão preventiva:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
PROCESSUAL PENAL. PRISÃOPREVENTIVA. Prisão cautelar decretada, com
esteio no artigo 312, do CPP, ao fundamento da necessidade de garantia
da ordem pública e aplicação da lei penal. Paciente foragido do distrito
de acusação. Impetração e razões recursais que alvejam, exclusivamente,
ilegalidade na atuação de guardas municipais e de um policial, que
ingressaram na residência do paciente, sem mandado, e efetivaram
apreensão de cocaína. Arguição que não possui o condão de elidir a
custódia prévia imposta. Não se trata de auto de prisão em “flagrante”.
Recurso desprovido. Decisão Por unanimidade, negar provimento ao
recurso.
O caráter de uma instituição de defesa da
sociedade resta claro, nesse caso em que a Guarda e policiais se
utilizam de suas prerrogativas para efetuar a prisão do individuo com a
prisão preventiva decretada, e que afastam questionamentos contrários à
atuação da Guarda Municipal apenas em situações de flagrância.
Um último questionamento a respeito da atuação da Guarda Municipal diz
respeito à possibilidade desses agentes abordarem pessoas em fundadas
suspeitas.
Para entender tal conceito, vamos verificar o que dizem os artigos 240, § 2º, e 244 do CPP, vejamos:
ART.
240 § 2º, Proceder-se–á busca pessoal quando houver fundada suspeita de
quem alguém oculte consigo arma proibida ou objetos [...].
ART. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita (grifo
nosso) de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos
ou papeis que constituam corpo de delito ou busca domiciliar.
Os questionamentos aqui se resumem ao que seria a fundada suspeita e quem são os agentes com competência para efetuá-la.
Para Noberto Avena, (2010, p. 634-635) a “busca pessoal será feita a
partir de fundadas suspeitas de que o indivíduo, portando algo proibido
ou ilícito, podendo ser realizada pela autoridade policial e seus
agentes”. Ressalta ainda que por fundadas suspeitas entende-se a
desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil.
Conforme
tais conceitos, a característica principal da busca pessoal é a
subjetividade da sua realização, e a sua consequente verificação por
autoridade policial.
Novamente surge a indagação a respeito
da Guarda Municipal no tocante a sua realização ou não. A resposta já
seria dada de maneira afirmativa nesta obra quando abordado o assunto
poder de policia, igualmente, o STJ, no
hábeas corpus n.109.
105-SP, em mais um julgado foi pacificado o assunto no tocante à
permissão dos Guardas Municipais em realizar a busca pessoal.
No voto do relator, Ministro Arnaldo Esteves Lima, fica explicita a
possibilidade de busca pessoal a ser realizada por guardas municipais,
por entender que seus membros são autorizados a defender a sociedade,
quando forem solicitados pela população ou encontrarem infratores em
flagrante delito, conforme exposto a seguir:
A preliminar
de nulidade suscitada pelo recorrente merece ser afastada. É certo que
não se desconhecendo a limitação da atividade funcional dos guardas
municipais trazidas pela Constituição Federal, dispositivo este que, no
entanto, não retira de seus membros a condição de
agentes da autoridade, e como tal autorizados à prática de atos de
defesa da sociedade, sobretudo em circunstâncias como a dos autos, em
que o acusado se encontrava em condição de flagrância, apontado pela
vítima como autor de grave delito ocorrido momentos antes nas
proximidades do local onde se encontrava.(Grifo nosso.)
O artigo 66 da Lei de Contravenções Penais prevê que ao agente que
não comunicar a ocorrência de crime de ação pública pode inclusive ser
punido. Condição que também se aplica aos guardas municipais. Reforçando
o entendimento que as Guardas Municipais podem prender em flagrante
delito, realizar abordagem em suspeitos e que fazem parte, efetivamente,
da Segurança Pública, a SENASP editou através de portaria a
participação das Guardas Municipais ao sistema nacional de informações
de segurança pública, INFOSEG, na portaria n. 48, de 27 de agosto de
2012:
PORTARIA N. 48, DE 27 DE AGOSTO DE 2012 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
DOU de 29/08/2012 (n. 168, Seção 1, pág. 41) A
SECRETÁRIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, no uso das atribuições, que
lhe confere o inciso X do art. 12 do Anexo I do Decreto n. 6.061, de
2007 e o art. 40 da Portaria n. 1.821, de 13 de outubro de 2006;
considerando que compete à Secretaria Nacional de Segurança Pública –
SENASP / MJ, estimular e propor aos órgãos estaduais e municipais a
elaboração de planos e programas integrados de segurança pública,
objetivando controlar ações de organizações criminosas ou fatores
específicos geradores de criminalidade e violência, bem como estimular
ações sociais de prevenção da violência e criminalidade; considerando
que o acesso a dados e informações de segurança pública são
indispensáveis à formulação desses planos e programas, resolve: Art. 1º –
Estabelecer que a adesão de municípios à Rede de Integração Nacional de
Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização – INFOSEG,
será disponibilizada anualmente pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública-SENSASP, no período de 1 a 30 de setembro e será regulada por
essa portaria.
A Lei n. 12.681, de 04 de julho de 2012
que institui o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública,
também já comprova a efetividade dos municípios e das Guardas Municipais
ao contemplar esses entes na legislação senão vejamos:
Art.
1º É instituído o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública,
Prisionais e sobre Drogas – SINESP, com a finalidade de armazenar,
tratar e integrar dados e informações para auxiliar na formulação,
implementação, execução, acompanhamento e avaliação das políticas
relacionadas com:
I - segurança pública;
II - sistema prisional e execução penal; e
III - enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas.
A inovação no dispositivo legal que conta da inclusão dos municípios
no sistema se justifica devido à crescente participação desses entes na
implementação das políticas de Segurança Pública em todo Brasil,
conforme o artigo 4º da lei se tem: “Os Municípios, o Poder Judiciário, a
Defensoria Pública e o Ministério Público poderão participar do Sinesp
mediante adesão, na forma estabelecida pelo Conselho Gestor.”
O mesmo artigo, no inciso III da já suscitada Lei, obriga que o
município tenha Conselho Municipal de Segurança Pública, realize ações
de Polícia Comunitária, ou que mantenha Guarda Municipal para fazer
parte do SINESP:
Art. 4º (...)
III - o
Município que mantenha guarda municipal ou realize ações de
policiamento comunitário ou, ainda, institua Conselho de Segurança
Pública, visando à obtenção dos resultados a que se refere o § 2º.
2.2. Dispositivos legais que regulamentam o porte de arma das guardas municipais
Entre todos os temas envolvendo a ação dos guardas municipais, o tema
mais polêmico é o uso de armas de fogo por parte desses agentes nas
suas funções rotineiras. Muito se questiona se as Guardas, que não tem
uma padronização a nível nacional, teriam condição de ministrar
treinamento e aparecem dúvidas sobre a capacidade dos agentes em portar
as armas de fogo.
A Lei n. 10.826/2003 conhecida como o
Estatuto do Desarmamento previu no artigo 6º as situações a respeito do
porte de armas para as Guardas Municipais.
Art. 6º É
proibido o porte de arma de fogo em todo território nacional, salvo para
os casos previstos em legislação própria e para:
(...)
III
– os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos
Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes nas condições
estabelecidas no regulamento desta Lei;
(...)
IV
– integrantes das guardas municipais dos municípios com mais de 50.000
(cinquenta mil) habitantes e menos de 500.000 habitantes quando em
serviço.
O aludido dispositivo permite que os municípios
com mais de 500 quinhentos mil habitantes e de capitais de Estados
possam portar armamento letal, de serviço e de folga, já as cidades com
um contingente populacional entre 50 cinquenta mil e 500 quinhentos mil
habitantes só podem portar arma de fogo a serviço.
Um grande
questionamento surge para confrontar tal dispositivo, pois se discute se
o fenômeno da violência estaria restrito apenas as grandes cidades de
maior população, porque aparenta que foi esse sentido que a norma quis
empregar.
Justamente sobre tal entendimento, a jurisprudência
de alguns Estados já apresenta precedentes no sentido de os guardas
municipais poderem portar armas de fogo independente da quantidade de
habitantes, senão vejamos o caso do município de Valinhos, em São Paulo,
julgado pelo Tribunal de Justiça da Capital,
INCIDENTE
DE INCONSTITUCIONALIDADE Artigo 6°, inciso VI, da lei 10.826, de
22/12/2003, alterada pela MP157, de 23/12/2003. – Proibição de Porte de
Arma a Guardas Municipais de municípios com menos de 50 mil habitantes
Afronta ao principio na isonomia – Ausência de razão justificadora do
tratamento desigual – Incidente cuja procedência se proclama. A lei
10.826/03 vedou o uso de arma de fogo excepcionou a Guarda Municipal dos
municípios com mais de 250mil habitantes e menos de 500 mil habitantes,
quando em serviço A medida Provisória 157/03 alterou o inciso VI do
artigo 6° da lei 10.826/03 para ampliar a exceção, agora a contemplar a
Guarda Municipal dos municípios com mais de 50 mil habitantes. Nenhum
critério racional justifica a exclusão dos municípios com menos de 50
mil habitantes, igualmente sujeitos à nefasta e crescente violência e
submetidos à delinquência de idêntica intensidade a qualquer outro
aglomerado urbano. Nítida violação do principio da isonomia, a fulminar a
norma e a determinar sua exclusão do ordenamento, nas vias próprias
cometidas ao Supremo Tribunal Federal. (Ação Direta de
inconstitucionalidade n.139.191-0/0-00-São Paulo-Órgão Especial-Relator:
Renato Nalini-29.11.2006-V.U.).
Decisões nesse sentido
são cada vez mais comuns em outras cidades do Brasil. Já a grade
curricular e a exigência para armamento das guardas se encontram em
regulamentos distintos, mais precisamente na Portaria n. 365 da DPF, da
Instrução Normativa n. 23/05 do DPF. A disposição contida no Decreto n.
5123/04, que disciplina a concessão do porte de arma aos guardas
municipais com a competência de supervisão ao Departamento de Policia
Federal através de convênio com os municípios ou diretamente, com a
responsabilidade de fixar o currículo dos cursos de formação, fiscalizar
o cumprimento das exigências, emitir os portes de arma de fogo aos
guardas municipais, controlar e fiscalizar o armamento e munição
utilizados e se houve a realização de treinamento técnico de, no mínimo,
sessenta horas para armas de repetição e cem horas para arma
semi-automática, com no mínimo sessenta e cinco por cento de conteúdo
pratico, técnicas de defesa pessoal e tiro defensivo e estágio de
qualificação profissional de, no mínimo, oitenta horas por ano.
Há de salientar que não será concedido porte de armas a guardas
municipais de calibre restrito às forças armadas, acima do calibre
trezentos e oitenta. O Estatuto do Desarmamento traz outras exigências,
de caráter vinculado, para a obtenção do porte de arma de fogo por parte
das Guardas Municipais, como a existência de Corregedorias e Ouvidorias
próprias, permanentes e autônomas para realização de controle interno e
externo das atividades dos Guardas. Exames psicológicos periódicos de
dois em dois anos.
As Guardas Municipais questionam que tal
burocracia oneraria demais os municípios, que não dispõem de recursos
financeiros para o cumprimento da legislação, haja vista que cada Guarda
Municipal, segundo a Matriz Curricular Nacional, SENASP 2005, deveria
efetuar mais de 500 disparos ao longo do treinamento, enquanto que um
soldado de policia não necessitaria de tal quantidade de disparos.
Todavia, tamanha exigência imposta pelos órgãos governamentais é
necessária para que se tenha a certeza que os guardas municipais que
consigam tal autorização tenham plena capacidade técnica e psicológica
de portar a arma de fogo, além do controle das suas atividades ser
facilitado pela atuação das Corregedorias e Ouvidorias próprias e pela
supervisão da Policia Federal.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a onda de violência que toma conta do país o modelo de segurança
facultado apenas aos Estados membros e a União se mostra ultrapassado.
Os municípios, através de suas Guardas Civis já participam da
Segurança Pública de fato, o que não caracteriza usurpação de função,
devido ao inúmero aparato legislativo mostrado nesse esboço. A
versatilidade das Guardas em serem utilizadas nos mais diversos tipos de
policiamento justifica o título de um ente de segurança pública
comunitária e versátil, pois sempre está mais próximo dos acontecimentos
da comunidade, por residir e conviver nas cidades.
Conclui-se que a função das Guardas Municipais não se restringe ao
caráter meramente patrimonial, como se apregoa pela maioria da
população, em virtude da amplitude das suas atribuições no texto
normativo e da sua proximidade das comunidades, quando necessária a
prestação dos serviços.
Por outro lado, é possível notar que
as Guardas Municipais enfrentam dificuldades por causa da falta de
padronização no território nacional, ou pela ausência de uma
regulamentação que garanta uniformidade de procedimentos, recursos e
procedimentos a serem adotados pelos profissionais dessas corporações.
Outrossim, como em alguns países do primeiro mundo, a segurança
pública parte para uma tendência municipalista, devido à proximidade dos
munícipes das autoridades de cada cidade e as Guardas Municipais serem
órgãos próprios desses municípios, protegendo os bens, serviços,
instalações, colaborando com a manutenção da Ordem Pública por esta se
encontrar intrinsecamente ligada ao seu mister constitucional e
principalmente proteger os cidadãos de cada município.
Referências
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BRASIL, Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Plano Nacional de Segurança Pública. Brasília: 2000.
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