Apesar de recente, está em curso um complexo processo de construção
de novas identidades profissionais das Guardas Municipais, elevadas à
condição de nova agência no campo do sistema de segurança pública e
justiça criminal brasileiros. Esse fato acaba tendo uma singular
importância por conta das eleições municipais, dando mais visibilidade
à temática da reforma das instituições de segurança pública e do
sistema de justiça criminal – é claro, isso ocorre porque as Guardas
Municipais tem como poder o governo dos municípios.
Essa discussão toma corpo potencializada pelo clamor popular e pelas linhas de financiamento abertas pelo governo federal, desde princípios dos anos 2000, seja através do Fundo Nacional de Segurança Pública, seja através do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Prronasci). Ao lado da mobilidade urbana, o novo padrão organizacional de atuação das Guardas Municipais será a grande vedete das eleições de 2012. Vários fatores sinalizam nessa direção.
Não podemos ignorar a repercussão dos novos editais públicos de
custeio de políticas de segurança com foco na prevenção, assim como as
mudanças normativas que tramitam no âmbito do Congresso Nacional, com
vistas a (re)definir uma nova gramática de atuação das Guardas
Municipais e, no limite, dos municípios na segurança do direito à
cidade e à cidadania. Nesse contexto, o Senado aprovou em 16 de maio o
projeto que cria o Sistema Nacional de Segurança Pública, Prisionais e
sobre Drogas (Sinesp), condicionando o envio das informações de
segurança pública ao repasse de recursos oriundos do Fundo Nacional de
Segurança Pública, sendo que, para os municípios, há ainda outra
exigência: a existência de Guarda Municipal. Exigência semelhante,
diga-se de passagem, já havia sido incorporada à Lei n.º 10.201, de 14
de fevereiro de 2001, que cria o Fundo Nacional de Segurança Pública,
pela Lei n.º 10.746, de 10 de outubro de 2003, que estabelece grau de
prioridade maior no recebimento dos recursos do Fundo para municípios
que mantenham Guarda Municipal, realizem ações de policiamento
comunitário ou, ainda, implantem Conselhos de Segurança Pública.
Essa possibilidade de ampliação das atribuições das Guardas
Municipais vem encontrando eco junto à Secretaria Nacional de Segurança
Pública, vinculada ao Ministério da Justiça, e ao Congresso Nacional,
especialmente através, respectivamente, da constituição de um marco
novo regulatório e de um conjunto de Propostas de Emendas à
Constituição, em especial a chamada PEC 534/2002, que modifica o §8º do
art. 144, da Constituição Federal, ao agregar às funções das Guardas
Municipais a de “proteção das populações”.
A falta de clareza da(s) identidade(s) profissional(is) das Guardas
Municipais acaba por obliterar sua legitimação social e institucional,
inviabilizando seu reconhecimento público como instituição fundamental
na prevenção das violências e da criminalidade e na consolidação de um
modelo de segurança cidadã, baseado efetivamente na compreensão dos
múltiplos fatores que afetam e estão correlacionados com a segurança e
com a convivência nas cidades, no bojo da segurança dos direitos,
passível de ser inferida por uma leitura constitucional da segurança
como um direito social.
O que falta? Com certeza: melhor mobilização, organização e planejamento das mais de mil Guardas Municipais existentes no país.
Como fazer? Com formação e informação nos marcos da Matriz
Curricular Nacional das Guardas Municipais, a exemplo de experiências
ainda isoladas, como a Academia Estadual de Guardas Municipais do Rio
Grande do Sul. Os Guardas municipais formados estão sendo provocados e
provocando tensões para uma construção de novos modelos de segurança
pública e de policiamento comunitário desde as cidades.
Estamos frente, enfim, a uma possibilidade histórica, e bastante
concreta, de, a um só tempo, construir uma nova identidade profissional
das Guardas Municipais na gestão integrada da prevenção das violências
e dos crimes que emergem nas cidades, acompanhada de uma nova
legitimação municipal no campo da segurança cidadã junto à população.
*Autores:
Aline Kerber (Socióloga e Especialista em Segurança
Pública e Cidadania; Diretora de Pesquisa do Instituto Fidedigna;
Coordenadora do 1º Censo sobre Ações de Segurança Pública do RS)
Eduardo Pazinato (Mestre em Direito; Secretário
Municipal de Segurança Pública e Cidadania de Canoas; Presidente da
Associação dos Secretário e Gestores Municipais de Segurança Pública do
RS; Coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito
de Santa Maria).
Fonte: Revista Carta Capital